O blog gaúcho Impedimento teve uma ideia no mínimo curiosa para uma série de postagens: convidar torcedores de diversos times brasileiros para que eles elejam e relatem um Top10 com as maiores humilhações sofridas pelos seus clubes.
Falar das glórias é fácil, todo mundo sabe. Agora, para comentar humilhações históricas, o sujeito tem que ter muito bom humor, o que acabou gerando relatos engraçadíssimos. Destaco por exemplo o do Botafogo e o do Avaí, que ficaram muito bons.
Mas, por alguma razão perversa, ninguém superou as humilhações do Vitória, que foram escritas por um sujeito absolutamente hilário chamado Franciel Cruz:
[quote=Franciel Cruz]
Humilhado e ofendido pelas pequenezas do Brasil
Das promessas de ano novo, uma das mais inflexíveis foi a seguinte: não quero conta com o ludopédio nos próximos (e longos) 18 dias. E foi negócio sério. Jurei a ninguém menos que São Bill Shankly que só romperia esta abstinência quando começasse uma das competições mais importantes do planeta, o Campeonato Baiano.
Cristão ortodoxo, nada me demovia desta inabalável convicção. Nada, vírgula, quase nada. Como diria a vedete de Santo Amaro, a força da grana, realmente, ergue e destrói coisas belas. E o vil metal entrou em campo tal e qual os zagueiros de antanho, dando chutes e pontapés nas minhas crenças. Amigos, em verdade vos confesso: os astronômicos valores da tenebrosa transação envolvendo os executivos da ImpedCorp e meu impoluto empresário jogaram minhas imutáveis opiniões para o escanteio.
E decidi voltar ao pebolismo (eu falei pebolismo, hereges) e listar as 10 maiores humilhações sofridas pelo brioso Rubro-Negro baiano. Porém, igualmente Corisco, não me entreguei facilmente. E, na assinatura do leonino contrato, fiz as seguintes exigências. Primeira. Obedecendo às recomendações da SPBC, realizei um corte epistemológico. Assim, as humilhações tinham que ter carinha de ninfeta, menos de 18 anos. Além disso, não seriam consideradas goleadas para times grandes. Só valia ser humilhado e ofendido pelas pequenezas do Brasil. A bem da verdade, nem mesmo determinadas goleadas para times pequenos entrariam na nominata. Afinal, como não diria a dupla sertaneja Ortega Y Gasset : uma humilhação é uma humilhação e suas circunstâncias. Seguindo esta metodologia, os 6 x 0 sofridos diante do Criciúma, em 2006, e os mesmos 6 x 0 que levamos do Brasiliense, em 2007, não seriam computados, pois nas duas pelejas cumprimos nossos objetivos: subir para a segundona e depois para a tal zelite do pebolismo.
Mas, chega de prolegômenos (recebam, sacanas, um prolegômenos pela caixa de catarro) e vamos às históricas e retumbantes humilhações rubro-negras, que, vos asseguro, humilhará as tragédias dos outros times.
Vitória 1 x 2 Baraúnas (06.04.2005)
Com a moral elevada de quem havia sido semifinalista no ano anterior, o Leão começa a Copa do Brasil de 2005 botano pra vê taúba lascá ni banda. Sem dó nem piedade, mete logo 3 x 0 na poderosa equipe do Confiança de Sergipe.
O próximo adversário é a perigosa Associação Cultural Esporte Clube Baraúnas, que acabava de eliminar o América Mineiro. Não bastasse tão importante credencial, o time potiguar ainda possuía no comando do ataque Cícero Ramalho, o Cabañas do Agreste, jogador tão ágil e gordo quanto um porco espinho.
Por tudo isso, sabíamos que seria uma labuta dos seiscentos, inclusive porque já havíamos perdido o jogo de ida por 1 x 0. Porém, acreditávamos na classificação. Ou, pelo menos, numa despedida honrosa. Mas, quá. Como diria o menino Xico Sá, tivemos que subir as escadarias do Barradão chupando o chicabon da melancolia.
Vitória 1 x 1 Baraúnas (22.02.2007)
Vindicta ainda que à noitinha. Estava tão certo que havia chegado a hora da vingança contra os potiguares que fiz algo raro nos últimos três séculos: me abstive de comparecer a um jogo do Vitória. E minha crença não era vã. Além do Rubro-Negro ter acabado de subir para a Segundona, a equipe de Mossoró não contava mais com o bara, bara, una, homem-gol Cícero Ramalho.
De férias, troquei o conforto do Parque Sócio Ambiental Barradão pelas agruras de outro Parque, o da Chapada Diamantina. E tome-lhe banho de Cachoeira, de rio, de riacho, o diabo. Na sexta-feira cedinho, antes do café da manhã, faço uma estranha solicitação ao dono da pousada.
- Moço, ligue a TV aí por favor.
- Mas, Sêo Françuel, o senhor não disse que TV era coisa de gente indecente?
- Disse, mas é que quero ver os gols e os lances espetaculares do jogo do Vitória de ontem à noite.
A maldita apresentadora abre o telejornal assim. “Mais uma vez o Vitória foi eliminado pelo Baraúnas”.
- Desliga esta miséria, moço. Televisão não presta pra nada mesmo.
E voltei correndo para Salvador, deixando para trás as belas paisagens e mais 50 gramas de produtos não recomendados pela Carta Magna. E pensei com meus humilhados botões: É só abandonar esta porra de time que acontecem estas tragédias.
Vitória 1 x 4 Itinga (21.04.2008 )
Às vezes, o Vitória não respeita nem mesmo minha presença. No mais louco campeonato de todos os tempos, liderávamos o quadrangular final e era chegada a hora de devolver a derrota da fase inicial contra o Itinga. Menos de 15 minutos de jogo, porém, em jogada pelo lado direito, a carniça mete 1 x 0.
Faço uso do frasco de Cepacol e começo a alertar Willians, que, de forma improvisada, ocupava a lateral direita (ala é a puta que o pariu). Grito e oriento, como há muito não fazia. No entanto, o infeliz continua deixando a avenida aberta. Grito mais. Nada. Além de surdo, o desgraçado não usa aparelho auditivo telex. Resultado final. Quatro gols pelo mesmo lado. Perdemos a liderança e a vergonha.
Vitória 1 x 1 Itinga (07.08.1994)
Já que falamos da carniça, não há como deixar de fora esta zebra histórica. Antes, porém, um pouco de contextualização e caldo de galinha, que não fazem mal a ninguém. Seguinte. No ano anterior, o Vitória encantou a Bahia e uma banda de Sergipe chegando à final do Campeonato Brasileiro contra o Palmeiras. E começa o ano da graça de 1994 de forma arrasadora, ganhando quatro partidas seguidas do ex-rival, sendo duas de goleada. Era, portanto, franco favorito à conquista do título, apesar da carniça jogar pelo empate por obra e graça destes impenetráveis regulamentos do Campeonato Baiano.
Mas, minha fé no sucesso era tanta que desobedeci a um dos maiores ensinamentos de meu falecido pai que, nos sermões antes do almoço, sempre alertava. “Meu filho, teime, teime, teime muito, mas não aposte”. Botei uma grade de cerveja na base do bico seco. Aos 46 minutos do segundo tempo já pensava nas gelosas quando Raudinei empata o jogo e cala metade das 100 mil pessoas que lotavam a velha Fonte Nova.
Além de perder o título, tive que ficar no Milongas Bar ouvindo a noite toda a seguinte e insuportável canção: “Bem que eu lhe falei, bem que eu lhe falei, que o Vitória se fudia com um Rodinei”. Os analfabetos não sabiam nem o nome do cara que fez o gol.
Esta, porém, foi a última glória do Itinga Futebol Clube. O desespero dos zé ruelas é tanto que ainda hoje comemoram este gol, inclusive lançaram até livro. Coitados.
Vitória 2 x 4 Colo-Colo (28 de maio de 2006)
Tragédias belas são aquelas que ocorrem na minha aldeia. Por isso, as cinco primeiras humilhações escolhidas foram exatamente com times da Bahia e do Nordeste. E encerro esta epopéia regionalista com o relato da decisão do campeonato baiano de 2006, contra o imbatível Colo-Colo de Ilhéus.
Ostentando o brasão de atual tetra-campeão baiano, o Vitória começa a competição como franco favorito. Se fosse por pontos corridos, o Leão seria campeão com 30 rodadas de antecedência. Mas, não era. E tivemos que disputar um mata-mata contra a equipe de Nacib. E o quibe entrou. Na verdade, quatro. E de virada.
Na ocasião, desenvolvi 10 teorias para explicar a derrota. Quem estiver desocupado, confira aqui, ó. Aos assoberbados, resumo informando que a entrega do título foi um ato de generosidade do Vitória, pois havia 37 anos que uma equipe do interior não se sagrava campeã baiana.
Vitória 0 x 1 Paraná (11.07.1992)
No glorioso ano da graça de 1992, a cantora Sandyejúnior lançou o álbum Sábado à Noite.
Caso eu tivesse um mínimo de cultura, no dia 11 de julho de 1992, um sábado à noite ficaria em casa apreciando tão importante obra na linha evolutiva da música brasileira. Mas, quá. Só quero saber de bola. E despenquei para a Velha Fonte Nova para assistir a primeira grande tragédia nacional do Vitória. Lutando por um triunfo simples para conquistar o título da Segundona contra o Paraná, o Leão passou a partida toda sem dar um chute a gol, num dos jogos mais apáticos da história do balipódio.
Putaquepariu!
Puxei o Cepacol do coldre e comecei a gritar e xingar, mas um amigo fez um sábio alerta. “Rapaz, páre com isso. Este time não merece nem sua vaia”.
Vitória 1 x 2 Ponte Preta (19.12.2004)
Neste ano, o Vitória começou o campeonato de modo avassalador. Nas cinco primeiras rodadas, apenas uma derrota, um empate e três vitórias, sendo duas goleadas (6×1) no Paraná e (5×1) no Flamengo.
Mas, amigos, em verdade vos informo. A axé music prejudica não só a música brasileira, mas também o futebol. A máfia do dendê não é brincadeira. Capitaneados por Edílson Capetinha, que abriu uma casa de pagode, o Ed10, os jogadores rubro-negros caíram na gandaia. E a equipe caiu de produção. De candidato ao título, o time chegou à última rodada lutando contra o rebaixamento. Lutando é forma de falar. Completamente ressaqueados, os infelizes não esboçaram qualquer reação contra uma Ponte Preta que não almejava mais nada e estava sem cinco titulares.
É óbvio que a torcida também enchia a cara. E se todos assim procediam, não seria o rouco locutor que desta lei da natureza baiana iria ter isenção. E tome-lhe canjebrina. Acontece que tem uma lenda que vaia de bêbado não vale. Então, por isso, ao invés de apenas xingar, logo após o término deste jogo parti para cima do alambrado sem dó nem piedade. A cordial polícia baiana deu prosseguimento à folia com cassetetes e bomba de gás lacrimogênio, o que não influenciou no resultado da partida, mas melhorou consideravelmente minha embriaguez. Uma beleza.
Vitória 3 x 3 Portuguesa (10.09.2005)
Deste jogo, que selou a queda do Vitória para a inédita Terceirona, digo apenas que aconteceu uma das cenas mais constrangedoras da história do Parque Sócio-Ambiental de Canabrava, Santuário Ecológico Monumental, o Barradão.
Quem tiver curiosidade clique NESTE LINQUE e vá até o fim do relato.
Vitória 3 x 4 Goiás (02.11.2003)
Se macumba ganhasse jogo o campeonato baiano terminava empatado.
Alguns dizem que esta frase é de Neném Prancha. Já outros, garantem que ela foi proferida por João Saldanha. Não importa. O fato é que, em se tratando do ludopédio, não devemos desprezar o Sobrenatural de Almeida. Não se pode cantar vitórias muito cedo nem mandar flores para a cova do inimigo (royalties para o bigodudo xibungo cearense, desculpem-me tantas redundâncias).
Pois muito bem. Exatamente no fatídico Dia de Finados o Vitória terminou o primeiro tempo metendo 3 x 0 no Goiás. Diante de tão dilatado placar, subi as arquibancadas e fui comemorar numa das quatro budegas do Estádio. Ainda embriagado, não acreditei quando o placar marcava 4 x 3 para o Goiás, de virada. Apesar de alguns afirmarem que quando bebemos esquecemos, garanto-lhes que uma humilhação movida a álcool é inolvidável.
Vitória 3 x 3 Grêmio (03.05.1997)
Por último, para encerrar a série, deixei exatamente a maior humilhação dos últimos tempos. Ser eliminado da Copa do Brasil duas vezes pelo Baraúnas, ainda vá lá. Agora, ser eliminado por um timeco do porte do Grêmio, que ainda por cima é tricolor, é quase que inacreditável.
Mesmo tendo perdido a partida de ida por 3 x0, eu sabia que era perfeitamente viável a classificação às semifinais. Eu e mais 40 mil fanáticos. E, realmente, mostramos que o time gaúcho não era de nada. E metemos três. Só que o miserávo do Júnior Touché (isto lá é nome de zagueiro) entregou a rapadura. E depois que terminou Vitória 3 x 3 Júnior Touché fiquei tão injuriado que voltei para casa andando, não sem antes parar em 946 bares. Um pouco sobre esta saga e suas conseqüências aqui, ó.
A convite do Impedimento, Franciel Cruz nos enviou este inigualável relato.
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