A história é singela e tocante: três líderes de torcida ajudam pessoas desesperadas a resolver uma série de problemas embaraçosos ou aterrorizantes, valendo-se exclusivamente do poder da música e da dança. O conceito, por sua vez, também é muito simples, e igualmente emocionante. Ao invés de explicar, faz mais sentido mostrar. Pode não parecer grande coisa, mas esse jogo não apenas é uma das coisas mais viciantes já criadas, mas um fenômeno cultural interessantíssimo de sinergia pop oriente/ocidente.
O Nintendo DS, como bom portátil, não tem travas regionais. Afinal, se o aparelho foi feito para ser levado em viagens, não faz sentido bloquear por região, e dane-se a "ameaça" da importação paralela. E assim foi que o Japão, terra dos artefatos culturais bizarros (pelo menos para olhos ocidentais...se bem que há coisas que devem causar estranheza por lá também), nos brindou em 2005 com um belo espécime videogamístico de nome Osu! Tatakae! Ouendan, que nunca foi lançado fora da Ásia, mas surpreendeu a softhouse iNiS e a Nintendo, publisher do jogo, por se transformar em um enorme sucesso comercial no ocidente. Muita, muita gente importou Osu! Tatakae! Ouendan depois de críticas favoráveis e repercussão boca-a-boca positiva. O curioso é que o jogo não foi feito para ser lançado fora da Ásia em razão de "diferenças culturais" que eram julgadas intransponíveis pelos desenvolvedores...
Mas depois de tanto sucesso, a iNiS preparou em 2006 uma versão ocidentalizada do jogo, chamada Elite Beat Agents, que serve como a primeira continuação de Ouendan, e este ano produziu mais um capítulo para a série, com o bacana título Moero! Nekketsu Rhythm Damashii Osu! Tatakae! Ouendan 2. Osu! Tatakae! Ouendan, que pode ser traduzido para o inglês como "Hey! Fight! Cheer Squad" (Ouendan 2 seria "Burn! Hot-Blooded Rhythm Soul Hey! Fight! Cheer Squad 2"), é um jogo de ritmo bem diferente do usual. Ao invés de apertar botões obedecendo a uma seqüência, você simplesmente bate na tela com a caneta do DS, conforme batidas que podem acompanhar os vocais ou instrumentos musicais de uma música, ou ainda atuar como um instrumento adicional. Os padrões variam de fase a fase, e muitas vezes se misturam. Descobrir ao som de quê se está batendo na tela é um dos grandes desafios em algumas fases. Além das batidas, também temos frases (você é forçado a deslizar a caneta acompanhando o percurso de um botão) e spinners (você tem que girar uma roda bem rápido na tela). Juntando tudo isso, temos um jogo movimentadíssimo, quase sem trégua, com momentos bastante tensos.
Cada fase representa uma história diferente, e é centrada em uma personagem. Essa personagem é uma pessoa (ou animal!) em apuros, que em um momento de dificuldade não tem nenhum recurso a não ser pedir pela ajuda dos Ouendan (ou Elite Beat Agents), que prontamente atendem ao chamado (algo como o Chapolim Colorado). Na tela de cima, acompanhamos em uma narrativa em quadrinhos - que segue um estilo mangá tanto em Ouendan quanto em Elite Beat Agents - sobre os apuros da personagem que pediu ajuda. Na tela de baixo, há o jogo propriamente dito, com três ouendan ou agentes fazendo uma coreografia conforme você encadeia as batidas, para animar a personagem na tela de cima. É uma idéia sensacional, mas você só percebe a interação entre as telas quando assiste ao replay depois de terminar a fase, ou em uma das pausas que cada fase tem programada. As fases são divididas em três ou quatro partes, e nos intervalos a tela de baixo escurece e você assiste a uma seqüêcia de quadrinhos na tela de cima, que pode ter dois finais diferentes, conforme você tenha se saído bem ou mal na seqüência de dança. Simples, e com um efeito impressionante quando em ação...essa fusão dá quase origem a uma nova mídia.
O legal é que as histórias são autônomas, mas de certa forma conexas, e é freqüente que personagens de uma apareçam em outras. E o final dos jogos, apocalíptico, envolve todos os personagens que os ouendan/agentes ajudaram, às voltas com ameaças interplanetárias. No final das contas, os líderes de torcida também acabam salvando a humanidade como um todo. Com o poder da dança. E da música.
Falando em música, os três jogos são muito bons, mas há uma indiscutível vantagem para os Ouendan (crítica e público são quase unânimes quanto a isso). Por incrível que pareça, as músicas japonesas são excelentes. Ainda que Elite Beat Agents tenha vários clássicos na lista (ABC, Let's Dance, Material Girl, Highway Star, Jumping Jack Flash, Y.M.C.A., I Was Born to Love You) - acompanhados, tudo bem, de lixo mais recente (Good Charlotte, Avril Lavigne, Ashlee Simpson, Hoobastank) - os Ouendan têm músicas que pessoas como eu, que não entendem nada e nem gostam muito de J-POP e J-ROCK nunca ouviram, mas que são surpreendentemente arrasadoras, principalmente quando você pára para prestar atenção. As historinhas, por sua vez, apesar de serem em japonês, são compreensíveis a partir das imagens. Ou seja, Ouendan nunca teve problema algum com "diferenças culturais intransponíveis".
Além disso, os Ouendan têm um apelo kitsch que a versão ocidentalizada (ou americanizada) raramente consegue reproduzir. Não é à toa que algumas das melhores fases de Elite Beat Agents são aquelas em que o fator kitsch fala mais alto, como a de Believe, da Cher, e You're the Inspiration, do Chicago. Mas mesmo assim, não há como superar a absurdamente grudenta Pop Star, de Ken Hirai - aparentemente o terror das donas de casa japonesas - a voz de garça melódica de Hitomi Yaida, cantando a romântica canção Over the Distance, ou a perturbadora Koi No Dance Site, do Morning Musume. Ambos os Ouendan são fruto de seleções escolhidas a dedo do melhor que o pop japonês tem a oferecer desde mais ou menos meados dos anos 90, e o resultado é simplesmente matador. O final de Ouendan 2, com a explosiva Sekai Wa Sore Wo Ai To Yobunda Ze, do Sambomaster, música que encerrou a versão para a TV de Densha Otoko, é algo que precisa ser testemunhado.
O mais incrível é que esses jogos têm um alto replay factor. Ou seja, uma vez que você termina, vai correndo jogar de novo. Até o final. Até porque cada nova dificuldade que você destrava (são 4, e as duas primeiras começam destravadas), o jogo fica mais divertido e você ganha novos personagens para controlar. A dificuldade hard rock de Elite Beat Agents, por exemplo, abandona os agentes e coloca você no controle de cheerleaders, as Elite Beat Divas, e as batidas ficam horríveis de tão rápidas. Como você vai ficando melhor a cada vez que joga Ouendan/Elite Beat Agents, entretanto, este não é um problema, mas um desafio bem-vindo. E fracassar nas fases não é algo frustrante, mas sempre um convite para treinar, treinar, e treinar, até passar. Como incentivo, três músicas ficam trancadas até você atingir certas somas de score, e são liberadas uma por vez.
É raro encontrar jogos realmente originais ultimamente, e não por coincidência, tanto os Ouendan/Elite Beat Agents quanto o maravilhoso Trauma Center nasceram na mesma plataforma: o Nintendo DS. O Wii ainda tem um grande potencial não cumprido de plataforma para jogos inovadores - falando em Trauma Center, a versão de Wii é até melhor -, mas por enquanto, o aparelho mais relevante na história recente dos videogames é, quem diria, um portátil. O Nintendo DS. E relevante não apenas pelas inovações, mas pelo revival de adventure games que tem promovido (Phoenix Wright, Hotel Dusk, Touch Detective, Trace Memory, etc.) e de diversão old school em geral, feita de forma tão competente ou superior quanto na era de ouro dos consoles 16bit. É uma plataforma de contrastes, feita tanto para jogadores "casuais", quanto os mais "hardcores" dos "hardcores", e quem gosta de videogames tem a obrigação de comprar um. Nem que seja apenas (ou especialmente) para jogar Ouendan.