Antes de falar sobre o Daniel Craig, um pouco sobre o filme em si: é um dos melhores na história da série, ponto. Pode pegar qualquer filme do Bond, de qualquer versão do personagem. Não tenho dúvidas ao dizer que Casino Royale dificilmente sai perdendo e talvez seja até o melhor 007 até hoje. Isso não quer dizer que seja um filme maravilhoso e espetacular, eu nunca fui tão fã da série (gosto, mas não acho lá essas coisas). Mas dentre os filmes do Bond, não é difícil argumentar que seja o melhor. O único problema é a duração, um pouco longa demais, mas isso é o de menos.
Em relação a Craig...bem, é um ator extremamente limitado, para não dizer um mau ator mesmo. Mas deu certo como Bond. Eu me lembro na época do primeiro trailer do filme, em que houve uma discussão, talvez no IMDB, se o look que Craig dava para a câmera no final era o Magnum, o Le Tigre ou o Blue Steel. É uma piada, mas daquelas bem verdadeiras: Daniel Craig faz parte da Zoolander School of Acting, cheio de olhares fulminantes e beicinhos para a tela. E é por isso que Craig funciona no filme.
Casino Royale faz toda uma choradeira sobre como Bond é um socipata insensível - algo que passa como "desenvolvimento de personagens" em Hollywood mas na verdade é apenas a repetição de um tema que, se espera, as audiências tomem por profundidade psicológica. Super superficial, mas convenhamos, ninguém em sã consciência procura profundidade psicológica em um filme do 007. Mas Craig deve agradecer aos roteiristas, ele funciona no filme justamente por causa disso: é um ator TOTALMENTE inexpressivo, muito ao contrário, por exemplo, de Timothy Dalton (que hoje em dia é um canastra de quinta categoria, mas demonstrava potencial na juventude). Craig dá certo em Casino Royale pelo mesmo motivo que Ben Affleck deu certo em Hollywoodland. Em outras palavras, porque teve sorte de encontrar um personagem que combina com a própria falta de talento. Mas não reclamemos, Craig é um ótimo Bond. Não é o melhor Bond de todos - ainda não dá para julgar -, mas não faz feio (a Vesper Lynd de Eva Green, entretanto, é a melhor Bond Girl desde...desde...bem, é a melhor Bond Girl de todas, sem dúvida).
Casino Royale parece, no início, romper com algumas tradições da série. A abertura é radicalmente diferente...Continuidade entre os filmes nunca foi o ponto forte da série, e a gente sempre assume a cada novo Bond que, de fato, estamos tratando de um Bond diferente. Mesmo entre os filmes de um MESMO Bond é meio difícil às vezes se falar em continuidade. Casino Royale chega até a alterar a forma usual da abertura para frisar essa idéia. É a primeira missão de Bond, e começamos antes dele ganhar status de 00. O final da abertura, muito bem bolado, é justamente o começo das aberturas de sempre. Bem esperto. A seqüência de abertura também é bastante diferente: música tema cantada por um homem, mais estilizada do que o habitual, SEM corpos de mulheres seminuas, e a coisa mais abertamente gay do universo. Essas aberturas (e a série em si) sempre são um pouco discretas, enrustidas, mas essa abertura...é cheia de loooongas armas fálicas, explodindo em jatos orgásmicos, enrolando corpos masculinos que lutam entre si. Ou seja, uma coisa totalmente homo (fora a briga de cobra logo em seguida, e o vilão Le Chiffre...sem comentários).
Esses dois elementos formais são as diferenças mais radicais entre esse filme e os outros da série, porque de resto é um Bond BEM típico, quase que paradigmático (talvez por ter sido baseado em um livro de Ian Fleming). O filme é diferente dos outros apenas na medida em que decide reforçar a sociopatia da personagem, mas isso sempre esteve lá. Craig supostamente é um Bond mais malvadão, só que no final das contas isso se dá mais pela falta de elegância de Craig do que pelo roteiro. Esse viés mais "psicológico" também não é exclusividade de Casino Royale, já que a série começou a ir para esse lado desde a era Timothy Dalton (ou Lazenby!)...
No final das contas, Casino Royale é um bom filme, e um Bond excepcional, porque é bastante fiel em espírito à série, sem deixar de lado um roteiro bem amarradinho, investindo também em ótimas cenas de ação (a primeira, uma longa perseguição à base de parkour - esse pessoal deve ter visto Banlieue 13 - é a melhor, mas as outras também não ficam muito atrás), e em uma sensacional Bond Girl, muito longe das descartáveis mulheres que habitam o misógino universo 007.
Filme mais divertido do ano, junto a Piratas do Caribe.